sexta-feira, 2 de abril de 2010

As diferenças entre homens e mulheres no “Tardes da Júlia” (TVi)

Fui convidada pela produção por sugestão da Associação Portuguesa da Mulher e do Desporto, da qual não faço parte, mas sou sócia.

Fui convidada para falar sobre a diferença de prémios, que ainda existe, entre homens e mulheres nalgumas competições, nomeadamente naquelas que têm apoios públicos (Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, IDP, etc). Este assunto foi abordado no contexto da diferença entre homens e mulheres nas várias áreas da sociedade.

Aceitei ir, porque não gosto de assistir a injustiças de qualquer ordem e ficar calada não faz parte de mim, por isso sempre que puder ser útil para contribuir na inversão dessas situações, lá estarei para dar o meu contributo.

Devemos exigir a igualdade de oportunidades
No entanto, não me identifico como feminista e muito menos como extremista, nem nestas matérias das lutas pela igualdade de género, nem noutras, pois penso que nesta sociedade em que vivemos acho que não será com a força do "extremo" ou da obsessão que faremos valer dum modo (necessariamente) positivo qualquer tipo de direito, por muito legítimo que seja.
Sobre esta temática, defendo que é justo existir uma igualdade de oportunidades, que não tem nada a ver com "guerra de sexos" ou com igualdade de tarefas ou formas de ser.

"Todos diferentes e todos iguais"
Para mim o lema, de que somos "todos diferentes e todos iguais" faz todo o sentido e é nesse contexto que considero pertinente falar deste assunto. Uma mulher nunca será igual a um homem, nem vice-versa, mas todos devem ter as mesmas oportunidades e devem ser verdadeiramente reconhecidos pelo seu real valor e não numa óptica de diferença apenas por uma questão de "sexo" ou opção.

Fui às TJ contar 2 episódios pessoais sobre esta questão das diferenças e retratei o cenário real das diferenças de prémios em várias modalidades (dados fornecidos pela APMD – http://www.mulheresdesporto.org.pt/ ), nomeadamente no Ténis, no Ciclismo, no Surf e no Atletismo. Apesar de assistirmos a uma evolução no sentido da igualdade, em especial no que diz respeito aos primeiros lugares, as diferenças existem na ordem dos 30% (para menos nas mulheres). É justo dizer que o facto da densidade participativa das mulheres ser inferior ao dos homens, pode justificar um maior número de atribuição de prémios nos homens, mas não é justo aceitar que existam diferenças nos mesmos lugares classificativos.

Quanto a mim, na verdade durante a minha carreira nunca senti uma descriminação de género tão agressiva, como aconteceu (e ainda acontece) a algumas outras colegas atletas.

Grande Prémio de Marcha de Vila Nova de Gaia, em 2009
No ano passado, no nosso campeonato nacional de marcha em estrada, em Canidelo, tivemos uma situação que ilustra o que ainda vai acontecendo no nosso país. O campeonato foi em simultâneo com o Grande Prémio de Marcha de Vila Nova de Gaia, organização da Gaiamina (empresa municipal, organismo público). Este GP atribuiu prémios monetários aos primeiros lugares masculinos e femininos, apesar de não serem significativos, apresentaram diferenças para metade nos 20km homens para os 20km mulheres, de 150€ ao 1º lugar masculino, para 75€ ao 1º lugar feminino. Assim que constatamos esta situação no regulamento distribuído pelos clubes e associações de atletismo, enviámos uma cópia para a APMD, que por sua vez enviou à CM de Gaia um pedido de esclarecimento e para que a situação fosse alterada, para a paridade entre os géneros, ao abrigo da própria constituição do nosso país. A deputada municipal da CM de Gaia, Dra. Ilda Figueiredo tratou do assunto, sobre o qual nem estava a par. Em assembleia municipal o assunto foi resolvido e os prémios foram alterados no sentido correcto.

Este é um exemplo que não devemos ficar indiferentes às desigualdades, em especial quando favorecem a injustiça social, e podemos fazer a diferença se usarmos os métodos adequados de “luta”. Não é preciso fazer uma revolução violenta, é certo que não é um combate fácil, este contra a descriminação entre géneros, mas se for efectuado com método, dum modo organizado e com as ajudas certas, estou convicta que é possível ir equilibrar estas e outras diferenças, nomeadamente na forma de pensar o género, que ainda subsiste na sociedade.

Bons Exemplos...
Também devemos realçar os bons exemplos que existem, pois devem servir de guia aos demais. A meia-maratona de Portugal, considerada uma das melhores do mundo, é um desses exemplos. Nas primeiras edições também se verificaram diferenças entre os prémios femininos e os prémios masculinos, mas talvez pelos vários protestos de atletas, como a Rosa Mota ou a Fernanda Ribeiro, entre outras, ou por outra razão, o que se verificou foi uma paridade entre esses prémios, dando o exemplo de que é possível uma mudança no sentido equilibrado.
Outro exemplo é o GP Internacional de Marcha de Rio Maior (http://www.cm-riomaior.pt/gpmarcha), que já vai na sua 19ª edição e desde o inicio os prémios foram sempre distribuídos de modo igual entre homens e mulheres.
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Episódios na minha infância...
As histórias que contei, revejo-as hoje com alguma piada, mas na altura senti-as com alguma intensidade, passaram-se na minha infância, logo no inicio da minha prática desportiva. Estas histórias devem ser enquadrada num contexto social e familiar.

Vivo no lugar de Sourões (freguesia de Alcobertas, concelho de Rio Maior) situado no sopé da Serra dos Candeeiros e naquela altura no final dos anos 80, não era banal praticar desporto com regularidade, como acontece hoje. Por outro lado o meu pai, imigrante em Angola há muito anos e já o era nessa fase do meu inicio como atleta. Como não estava em Portugal, só quando veio de férias na época do Natal percebeu que a filha não tinha uma rotina igual, em especial durante os fim-de-semana, em que estaria habitualmente em casa a ajudar a minha mãe nas lidas da casa, saía para ir participar em provas de atletismo.
Este cenário causou-lhe alguma confusão, pois considerava que não era normal uma menina ter esse estilo de vida e que o meu lugar seria em casa a ajudar a mãe e a fazer os trabalhos de casa. Tivemos algumas discussões por causa dessa minha opção em praticar desporto. Mas aos poucos, fui impondo a minha vontade, pois desde que conseguisse cumprir com as minhas tarefas, nomeadamente na escola, tinha mais alguma liberdade em praticar aquilo que tanto prazer me estava a dar, atletismo. Por outro lado, como tive a sorte de ter resultados desportivos relevantes, primeiro a nível nacional e logo depois a nível internacional, que me projectaram nos jornais e na televisão, fez com que o meu pai percebesse que eu estaria a levar muito a sério aquilo que andava a fazer no desporto e que para além de me trazer aspectos positivos para a minha personalidade, também resultava em algo que se ia tornando grande. Por outro lado em Angola, o meu pai recebia os jornais e sempre que aparecia num deles, eram os seus amigos a fazer perguntas, a questionar se aquela "Susana Feitor" não seria da sua família... enfim, aos poucos, aceitou a minha nova vida e foi sempre apoiando.

A outra história refere-se apenas a comentários que ia ouvindo lá na terra, quando ia treinar no pinhal, com apenas 15-16 anos, algo que também não era habitual. Ouvia vários comentários dos vizinhos, nomeadamente dos homens, que não achavam nada bem uma menina andar a correr de calções pelo pinhal.
O meu avô também fez os seus comentários preocupados com o meu "novo" comportamento e disse várias vezes à minha mãe que não entendia porque andava a perder tempo nas corridas, quando já tinha idade para andar a ceifar a erva para os coelhos. Sempre fui muito participativa e activa em várias actividades e nem essa de ajudar a minha mãe nas lidas da agricultura me escapava, pois gostava muito de andar pelo campo.

Foi assim... mas os tempos mudam e também podem mudar as mentalidades!

Beijinhos.

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